sábado, 15 de maio de 2021

Saudades de minha mãe


Lembro-me de minha mãe, bordando no terraço,

Como era bonito ao sol, o seu cabelo

as linhas coloridas, brilhando no regaço,

tão lindo, que ainda hoje volto a vê-lo.

 

Lembro dela, rezando o terço à noitinha

noites de trovoada, o medo que sentia.

Embrulhava-me num abraço e bem quentinha  

eu dormia aconchegada até ser dia.

 

A cada refeição, com que amor repartia

aquilo que havia e sempre mais um pouco.

Beijava nosso olhar e como quem benzia

fazia uma oração num sussurro rouco.

 

Cristalinas memórias guardo desse tempo

e saudade, quanta saudade eu tenho dela...

Momentos preciosos gravados na lembrança

 

acodem aos meus olhos e num sorriso lento,

pincelo imagens coloridas numa tela,

como se fora um dos desenhos de criança.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Oração

Deus, quando a morte vier ajuda-me a acalmar e a aceitar o irreversível.

Quando chegar a minha hora Pai, que a tua piedade se estenda ao meu sofrimento e não permitas que me tome o medo.

Quebra-me o ânimo da revolta para que saiba ir docemente ao teu encontro.

Que os sonhos por cumprir, já não sejam, nessa hora, mais importantes e que eu encontre gratidão no meu coração por tudo o que deixo de mim.

Pacifica o meu coração e a minha alma e que eu tenha a coragem de olhar os que ficam com  desapego.

E se eu não for capaz, tira-me a lucidez Pai.

Reconheço que vivi do ontem para o amanhã, nem sempre aproveitando o tempo que me davas a cada dia. 

Que não soube ser feliz porque estava sempre à procura de mais e de ir mais além.

Esqueci a gratidão por tudo quanto tinha e a minha insatisfação era permanente. 

Olhava em volta e achava todos mais felizes, mais ricos e mais importantes. 

Vivi copiando e perseguindo um estilo de vida que não tinha a ver comigo.

Fui tola, fútil, ignorante de quem eu era.

A vida não é justa porque chegamos a este mundo inocentes, entregues a seres imaturos que não sabem nem querem aprender os valores da verdadeira vida, porque também assim foi com eles… cegos conduzindo outros cegos!

Distraídos pelos brilhos que nos cercam, vivemos com os outros e pelos outros, mas sem os valores da verdadeira solidariedade.

Gastamos a vida a tentar aprender, buscando dos outros nem sempre os ensinamentos adequados e só na irreversibilidade do fim percebemos o que é realmente importante.

Porquê esta imaturidade Pai? 

Porquê este desperdiçar do tempo?

Sobra no fim e quando já é tarde, o remorso e a consciência do que é verdadeiramente importante, mas que não soubemos preservar.

Que caminho é este Pai,  que todos fazemos, com maior ou menor consciência de o tentar fazer bem, para no final sermos confrontados com a solidão e o abandono daqueles por quem mais fizemos?

É castigo ou é apenas uma convicção falsa e o fim desamparado é a prova disso mesmo.

Pecados de outras vidas ou apenas da que termina nessa orfandade de amor dos que mais amamos?

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Até sempre!

 A notícia apanhou-me de surpresa: a FB faleceu.

De quê, perguntei, pensando na doença maldita que não nos larga – o Covid-19?

Não! Estava doente há alguns anos com um tumor no cérebro.

Foi como um murro no estômago.

O quê? Como?

Fomos colegas de trabalho durante longos anos. Estive com ela em momentos dolorosos da vida quando precisou esconder as lágrimas perante os outros, ela que tanto preservava a sua vida pessoal mas gostava de saber da dos outros na sua forma mais supérflua.

Era uma guerreira e não é um lugar comum porque era mesmo uma mulher batalhadora. Habituada a valer-se por si mesma após um divórcio doloroso, procurava chegar onde precisava sem grandes subtilezas.

De convívio nem sempre fácil, muito dada a trivialidades, quando a conversa derivava para assunto de maior profundidade, tornava-se arredia como se fosse, para ela, pura perda de tempo.

Cheguei a perceber nessa atitude uma estratégia para melhor ultrapassar os problemas. Muita da sua força advinha da superficialidade a que se dedicava constantemente.

Activa, trabalhadora, excelente mãe, até certo ponto obcecada pelo único filho, verdadeiro amor da sua vida.

Não teve uma vida fácil nem um casamento feliz e depois do divórcio ficaram, ela e o filho, a quem se dedicou de corpo e alma.

Quando, por sua vez, este seguiu a sua vida, continuou dedicada a ele e aos netos que vieram, colocados sempre em primeiro lugar.

A futilidade era o seu melhor passatempo. Da sua janela via a vida dos outros e com isso ocupava grande parte do tempo.

Reformou-se, depois de longa carreira e rapidamente a doença apanhou-a.

Ao longo dos anos de convívio percebi o pânico que ela tinha desse mal que já lhe tinha levada a mãe e uma irmã e que de vez em quando lhe rondava a família como animal feroz.

A irmã foi também com um tumor no cérebro e eu acompanhei o enorme sofrimento por essa perda. Inconscientemente ela sentia que era uma herança genética que fatalmente chegaria. Vivia aterrorizada.

Quando a roleta parou nela, imagino eu agora, como teria sido o desamparo em que se viu.

Pobre amiga que me procuraste pedindo o meu contato, dizendo-te saudosa de mim.

Soberbamente pensei que seria mais algum dos teus pedidos, de que não te inibias sempre que precisavas. Fizeste-o durante anos, quando procuravas melhorar a vida dos que amavas. Sem vergonha, sem orgulho, ias em frente até conseguires.

Mas não era! Parece que tentaste partilhar comigo a dor que te atravessava a alma e eu, ignorante, não percebi.

Agora o remorso não me abandona desde o dia em que soube da tua partida.

Não sei como foram os teus últimos anos, desde que a doença traiçoeira te apanhou. Só desejo do fundo do coração que aqueles que tanto amaste, te tenham amado de igual maneira e tenham estado contigo até ao último suspiro.

Que a tua alma inquieta se aquiete finalmente e descanse e que as dificuldades que venceste na vida sejam agora creditadas a teu favor na vida que inicias agora em outro plano. 

Vai amiga e que o teu caminho seja suave. 

Que encontres aqueles de quem sentias saudades e que eles sejam agora o teu amparo.    

Até sempre!    

O colo de Deus...

  Dali, eu via o mundo Saltava pelas montanhas Lutava com gigantes  e os vencia... Pendurado nas estrelas  o meu baloiço voava. Ali, nesse c...